Escola
Municipal Prof.º Manoel Santiago de Oliveira.
Terceiro
ano C – período vespertino.
Professora
alfabetizadora Rosângela Ferreira Luz.
Orientadora
Educacional Clair Moron.
RELATÓRIO – SEQUÊNCIA DIDÁTICA
A sequência didática relatada foi
aplicada em uma turma de 24 alunos, com idade variando entre 8 e 12 anos, terceiro
ano C no período vespertino, na Escola Profº Manoel Santiago de Oliveira,
localizada na Rua Ponta Grossa, nº
, e foi desenvolvida a partir de
correspondência iniciada pela página do facebook chamada AMO ALFABETIZAÇÃO,
onde várias professoras estavam procurando outras turmas para trocarem
correspondências, visando as atividades relacionadas ao PACTO NACIONAL DE
ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA – PNAIC. Através de e-mails trocados com a
professora Cinthia Maggiolo que leciona na EMEIF Lídia Lima da Silva, escola
situada no interior de São Paulo, em uma turma de dezenove alunos de terceiro
ano também.
Em nossos e-mails estabelecemos
quais alunos se corresponderiam, havendo a necessidade de alguns alunos da
professora Cínthia escreverem para dois alunos, ao invés de um só.
Foi apresentada a minha turma a
proposta de correspondência, sendo fundamental a participação deles na
elaboração do trabalho e as formas a se conduzir a interação. Foi importante
propor aos alunos que fizessem previsões das atividades e as relações entre os
conteúdos multidisciplinares que poderiam germinar desta proposta. Foi
discutido com eles:
a) o que gostaríamos de saber da
outra turma;
b) o que poderíamos contar;
c) como faríamos isso.
Com base na teoria que orienta
nossa prática pedagógica e acreditando na prática como uma das partes da
teoria, elaborei uma sequência didática com gêneros textuais diferentes (textos
epistolares, textos injuntivos e textos informativos), para se constituir o
nosso objeto de ensino aprendizagem e definir assim a delimitação dos
objetivos, conteúdos e atividades. Dito de outro modo, buscamos no trabalho com
sequências didáticas interativas criar situações de ensino aprendizagem mais
eficazes.
Com a carta ao leitor sobre o
beija-flor e a chegada da primavera, seguimos os passos:
1. Foi planejado na lousa a escrita da carta com
os alunos.
♣
Retomei com os alunos para que e para quem vão
escrever; onde a carta vai circular.
♣
Perguntei aos alunos o que uma carta deve conter
ou o que é preciso ter em uma carta e anote na lousa. À medida que os alunos
fizeram suas observações fomos problematizando os aspectos que aparecerem a fim
de ir ajustando. Possivelmente, nesse momento conseguiram recuperar todas as
partes que compõe uma carta narrativa ou opinativa de leitor, que tem a ver
tanto com o conteúdo temático (assunto, posição dos leitores), quanto aos
elementos referentes à organização interna da carta (local, data, identificação
do leitor, forma inicial, núcleo da carta, despedida).
2. Escrita coletiva da carta
Foi pedido que eles ditassem para
mim como se fosse para enviar para o jornal e, em outra vez, para a professora
de Suzano (essa carta ficou exposta no mural da classe.
Iniciei perguntando aos alunos:
como vamos começar a carta? Caso tivessem dificuldade, pedi que olhassem a
lista de controle aos alunos e que retomassem o planejamento e se guiassem por
ele. Para quem estamos escrevendo? Como vamos iniciar essa parte? Sobre o que
vamos escrever? (Caso fiquem com dúvidas pedi que olhassem os cartazes da sala
de aula).
Durante a escrita retomei, por
exemplo, qual o nosso foco em relação a essa carta coletiva? Sobre o que
queremos falar? Como vamos colocar na carta?
Para cada parte escrita, foi proposto: vou ler esse trecho para que
verifiquem se está bom desse jeito ou se é preciso mudar alguma coisa.
♣
No final, perguntei aos alunos como vão terminar a
carta (caso seja necessário, peça-lhes que consultem algumas cartas lidas e
estudadas com o grupo).
3. Revisando coletivamente a carta.
A revisão coletiva (final) pode
ser feita em outra aula.
Apresentei a proposta de revisão
aos alunos: ler a carta colocando-se no lugar do leitor verificando:
- se há indicação do assunto
sobre a qual se escreve;
- se o conteúdo da carta coletiva
está claramente exposto e sustentado pelos argumentos;
- se a linguagem é adequada ao
gênero, ao veículo e à situação comunicativa ou se precisa de adequações.
|
5ª
etapa: Escrevendo cartas em duplas
Objetivos
♣
Produzir/textualizar em parceria uma carta
utilizando-se dos procedimentos de escritor
♣
Revisar carta produzida, a partir de critérios.
Escolha
outra matéria de tema discutível e faça uma leitura compartilhada/colaborativa
com a turma.
♣
Peça que antecipem, a partir do título, o contexto
de produção, subtítulos, o que o texto pode conter (você poderá fazer uso das
orientações contidas nas atividades de leitura colaborativa/compartilhada).
♣
Orientei os alunos para que leiam em duplas,
checando as hipóteses levantadas antes da leitura.
♣
Ao término da leitura, retomei as antecipações
realizadas e pedi que indicassem em que parágrafo do texto essas antecipações
se confirmaram (ou não).
♣
Foi discutido coletivamente o assunto da carta ao
leitor, levando os alunos a se posicionarem dando sua opinião e argumentando de
modo favorável ou contrário. Anotei em um cartaz os diferentes posicionamentos
e argumentos.
Nas
próximas aulas levarei outros textos e lerei com os alunos para que eles ampliem
o repertório sobre o tema e conheçam outras opiniões.
Promoverei
um debate de modo que os alunos possam posicionar-se de modo mais consistente
diante do tema e/ou alguns aspectos presentes no texto. Nesse processo,
complemente com os alunos as notas sobre as opiniões – e os respectivos
argumentos – em relação à matéria lida.
Realizarei
o planejamento coletivo da carta:
♣
para quem vamos escrever? (jornal...).
♣
quem são os leitores? (editor e os leitores do
jornal).
♣
em que pessoa a carta deverá ser escrita?
♣
como irá iniciar?
Em
seguida, retomarei, se necessário, o assunto da carta, a posição dos leitores e
os elementos referentes à organização interna da mesma, o conteúdo temático e
as possibilidades de organizar os argumentos, lembrando alguns exemplos de
cartas lidas. Peça que escrevam, em duplas, uma carta de leitor para o jornal
no qual foi publicada a matéria, com a opinião da dupla a respeito do tema.
Oriente-os a ir lendo a carta durante a produção. Ando sempre pela classe
verificando quem precisa de ajuda.
Leio
as cartas e faço observações, devolvendo-as para os alunos fazerem revisão dos
aspectos levantados por você.
Corrijo
os erros que não foram observáveis pelos alunos antes de enviar as cartas ao
destinatário.
A primeira carta foi escrita da
turma de Suzano para a minha, foi digitada pela professora Cínthia e enviada ao
meu e-mail, as imprimi e entreguei aos meus alunos, lendo pequenos trechos,
estimulando a leitura e a troca das primeiras impressões, deste modo, ficou
mais fácil o interesse em ler, escrever e compartilhar. Percebi que durante o
recreio, havia troca de ideias e entravam em consenso em relação a elas, isto,
claramente perceptível, quando houve as elaborações de respostas e questões.
Nas cartas recebidas havia
informações a respeito da família, escola e predileções como frutas,
disciplinas, brinquedos.
Desta forma, introduzimos as
características psicológicas e físicas para que o outro nos conhecesse.
Antes de respondê-las, como era o
mês de agosto e é rotineiro enfatizar o folclore, pesquisamos sobre brinquedos
e brincadeiras e na Sala de Tecnologias, assistimos a um livro em ppt. Folclorices
para brincar, onde vimos diversos brinquedos artesanais que alguns não
conheciam e, no dia seguinte, alguns alunos haviam confeccionado, fora da
escola, piões de garrafa pet e outros fizeram de vasilhas plásticas de remédio,
era a criatividade fluindo em liberdade.
Foi apresentado modelos de cartas
com exercícios para que percebessem a estrutura do gênero como:
1. Cidade,
estado e data de onde escrevem;
2. Saudação
e nome do destinatário;
3. Assunto
(corpo do texto);
4. Despedida;
5. Remetente.
Também
foram desenvolvidas diversas atividades envolvendo pontuação, paragrafação,
letra maiúscula e minúscula para seguir o modelo do gênero em análise,
objetivando a compreensão do que se fala, quem fala e com quem se fala, em
termos científicos as pessoas do discurso.
Na
primeira carta já surgiriam as situações que propiciariam novos conteúdos
multidisciplinares, sendo o primeiro a esclarecer nossa localização correta,
eles entenderam que nossa cidade ficava em Minas Gerais, esse fato gerou
curiosidade de nossa parte, já que não havia nada em nossas trocas de e-mails
que pudesse incentivar tal erro.
Localizamos
em Minas Gerais uma cidade chamada Dourado, entendemos que foi por isso que
erraram nosso estado.
Na sala
de aula, utilizando o mapa do nosso país, localizamos São Paulo e, desta
maneira, já serviu de “gancho” para os estados brasileiros e suas capitais, em
seguida, analisando somente o estado de São Paulo, localizamos Suzano e
pesquisamos no Wikipédia, a densidade demográfica da cidade e comparamos com a
de Dourados, o que também serviu para elaborar situações-problemas, comparando a
quantidade populacional das duas cidades e fazendo comparações sobre o
crescimento populacional de Dourados dos anos de 1940 até 2012.
Utilizamos
o livro em ppt. O-Carteiro-Chegou-Janet-e-Allan-Ahlberg, onde aparece diversos
gêneros textuais, como cartões postais, cartas, convites e bilhetes, avaliando
a macro e a microestrutura de textos epistolares, objetivando a ampliação do
conhecimento do gênero em estudo.
Utilizamos
constantemente os dicionários, para fixar que as palavras podem ter diversos
significados e buscar sinônimos e as diversas classes morfológicas, variando as
palavras para os nossos interlocutores:
Utilizamos
o Bingo de Adjetivos, com kit escolar (lápis, borracha, caderno e apontador)
para a dupla vencedora e a proposta era que seria utilizado três adjetivos da
cartela na carta resposta a ser enviada.
A
vencedora foi a aluna Kennia, que por ser da religião Testemunha de Jeová, não
interagiu com a outra turma, todavia, escreveu para sua mãe e para mim que
respondia suas cartas.
Ainda com
as informações obtidas na página do Wikipédia, soubemos que em Suzano é forte a
influência nordestina e japonesa e que é apelidada de “Cidade das flores”.
Nossa turma ao indagar o porquê do apelido, acabou resultando em uma pesquisa
da parte deles e que souberam que a flor predominante era a ponsettia, também
conhecida como bico de papagaio e é muito usada nas decorações natalinas pela
sua cor vermelha:
Trabalhamos
com quebra-cabeças, em duplas, formando a imagem da zona rural e urbana, pois
lá, a paisagem, como aqui, é formada, praticamente, nas mesmas proporções desta
maneira.
Abaixo a premiação da dupla Amanda e Roni pela
vitória no Bingo dos Verbos, onde mais uma vez, deveriam utilizar três verbos
na carta enviada.
Este próximo
momento apresentado na foto abaixo, os alunos estão desenhando e pintando as
ilustrações que serão enviadas como retribuição aos desenhos recebidos.
Outro
gênero que foi fartamente contemplado foi o de receita, o que trabalhamos
também medidas de massa com atividades que seguem na pasta, como a buchada de
bode é uma receita tradicional da culinária nordestina, levei para eles a
receita e imagem do prato, como é uma comida muito diferente da nossa, gerou
muitas reações adversas. Na receita (visita da O.E. Clair Moron), apesar de
constar que era de dificuldade moderada, o prato iniciava sua preparação na
véspera, tornando sua informação em relação ao tempo de preparo errônea.
Em
retribuição, os alunos perguntaram em casa quem sabia fazer chipa para enviar a
receita para eles, o aluno Deivid trouxe a receita fornecida pela sua vó.
Ainda na
área de regionalismos, alguns alunos perguntaram se conheciam o tereré, a
resposta vinda de Suzano foi que tereré, para eles, é presilha de cabelo. Em
resposta, alguns alunos tentaram explicar o que é o nosso tereré, onde houve o
conflito de como se explicar a bomba, então o aluno João Pedro desenhou a bomba
para ver se eles entendiam.
Aproveitando
o acervo PNAIC, digitalizei o livro Viviana, a rainha do pijama e, em uma
sequência de atividades abrangentes à diversos eixos dos direitos de
aprendizagens de diversas áreas.
*Não
esquecer atividades caça palavras, cruzadinhas, mapas, problemas envolvendo
densidade demográfica, oferta de gêneros textuais, memórias, jogos, livros
PNAIC, dicionários, livros em ppt, fotos, descrições físicas e psicológicas.
Momento
de leitura bem descontraída para recontar, se tiver vontade:
Notícias provenientes de Suzano
que resultaram em uma série de atividades referentes ao gênero notícias que foi
trabalhado também com fichas técnicas em Ciências.
As atividades foram realizadas
com sucesso e o objetivo alcançado com êxito, pois, a participação dos alunos
foi constante e o interesse era visível, além do bom resultado no que foi proposto
e que está em andamento.
Com relação ao Sistema de Escrita Alfabética,
o que foi realizado até o momento na formação dos professores tem contribuído
em grande parte para que os alunos alcancem o nível alfabético com propriedade,
levando em conta as dificuldades de alguns alunos. Porém, jogos e atividades
com desafios lúdicos têm ajudado muito nesse processo, haja vista a necessidade
de um trabalho individualizado com alguns alunos.
Enfim, atividades realizadas por meio de
sequência didática, além de deixar o planejamento mais organizado, permitem um
trabalho interdisciplinar e que atenda todos os níveis de aprendizagem sem
fugir do conteúdo, pois o aluno tem a oportunidade de fazer atividades tanto em
grupo quanto individualmente, transcendendo, assim, suas limitações. Por isso
tem grande contribuição para a prática do professor e aprendizado do aluno,
tornando o processo ensino- aprendizagem cada vez mais eficaz e de qualidade.
Gostaria de finalizar com a
crônica de Rubem Alves chama BRINQUEDO:
Minhas netas: Quando eu era
menino eu brincava muito. Brincar é a coisa mais
gostosa. Algumas pessoas grandes têm vergonha de brincar; acham que brincar é
coisa de criança. O resultado é que elas ficam sérias, preocupadas, ranzinzas,
amargas, implicantes, chatas, impacientes. Perdem a capacidade de rir e ninguém
gosta da sua companhia. Quem brinca não fica velho. Pode ficar velho por fora,
como eu. Mas por dentro continua criança, como eu...
Naquele tempo o jeito de as meninas e os meninos brincarem era muito diferente do jeito de hoje. Hoje, falou brincar, falou comprar brinquedo. E os brinquedos se encontram nas lojas e custam dinheiro. Mas lá na roça onde eu morava não havia nem lojas. E mesmo que houvesse, eu era um menino pobre. Não tinha dinheiro para comprar brinquedos.
Eu brincava. Brincava sem comprar brinquedos. Não precisava. Eu fazia meus brinquedos. Na verdade, fazer os brinquedos era a parte mais divertida do brincar.
Já lhes contei sobre o carrinho de lata de sardinha que tenho guardado entre os meus brinquedos. Quando o vi, lembrei-me de mim mesmo, fazendo os meus brinquedos. O menino que fez aquele carrinho era um menino pobre. E eu o vejo trabalhando para fazer o brinquedo que ele não podia comprar. E imagino o orgulho que ele sentiu quando o carrinho ficou pronto. “Fui eu que fiz!” Um amigo meu, o Vidal, me deu um caminhão que ele mesmo fez, como presente de Natal. É um caminhão tanque. O tanque é feito com uma lata de óleo deitada. A cabine, com janelas e espelhos retrovisores, é feita com uma lata de azeite. As antenas e o cano de escapamento são feitos com pedaços de antenas velhas que ele encontrou em lojas onde se consertam rádios. E as rodas, ele as fez cortando, com um serrote, fatias de um cabo de enxada, iguais às fatias que se cortam de um salame.
Para se fazer um brinquedo é preciso usar a imaginação. A imaginação é um poder mágico que existe na nossa cabeça. Magia é transformar uma coisa em outra pelo poder do pensamento. A bruxa fala: “Sapo” e o lindo príncipe vira sapo... O menino que fez o carrinho com a lata de sardinha teve de usar a sua imaginação mágica também. Ele olhou para a lata de sardinha abandonada e disse: “Carrinho”. E foi esse carrinho que ele viu com o pensamento que fez com que ele trabalhasse para fazer o carrinho.
A imaginação gosta de brincar. A brincadeira de que ela mais gosta é o faz-de-contas. É brincando de faz-de-contas que ela constrói brinquedos. Faz de contas que uma lata de sardinha é um carrinho . Faz de contas que o cachorrinho de pelúcia é um cachorrinho de verdade . Faz de contas que o travesseiro macio é uma pessoa de quem a gente gosta muito. Faz de contas que esses bolinhos de barro são brigadeiros. Faz de contas que a minha mão com o dedo esticado é um revolver. Faz de contas que o cabo de vassoura é um cavalinho que se chama Valente. Faz de contas que esse pedaço de bambu é uma espada...
A Raquel, minha filha, tinha 4 anos. Eu a levei ao cinema para ver o ET. O cinema é também uma brincadeira de faz-de-contas. Enquanto a gente está lá a gente vive, ri e chora “como se” tudo fosse verdade. Prestem atenção nisso: essa é uma das coisas mais extraordinárias dos seres humanos: temos a capacidade de viver e sentir coisas que não existem, coisas que são produto da imaginação, como se elas fossem reais. Quem não chorou vendo o filme O Rei Leão? Quem não ficou com raiva da Madrasta e da Drizela? Quem não torceu pelos cãezinhos dálmatas? Pois a Raquel saiu do cinema e chorou, chorou, chorou... Não houve o que a consolasse. Depois do jantar eu resolvi consolá-la. Para consolá-la eu precisava entrar no jogo de faz-de-contas. Aí eu lhe disse: “Vamos lá fora ver se achamos a estrelinha que é a casa do ET!” Ela se levantou, animada. Mas aí, decepção. O tempo tinha mudado. O céu estava coberto de nuvens. Não havia estrelinhas para serem vistas. Pensei rápido. Uma mudança de tática era necessária. “Olha lá, Raquel, atrás da palmeira! O ET está lá”. Ela não sorriu, como eu esperava. Não entrou na minha brincadeira. “O ET não existe, papai.”, ela respondeu séria. Então eu disse: “Ah! É? Se não existe, porque é que você estava chorando?” Ela me respondeu: “Por isso mesmo, porque ele não existe...” Que coisa mais misteriosa, mais bonita: que nós sejamos capazes de ter alegrias e tristezas por causa de coisas que não existem.
As crianças são as que melhor sabem brincar o jogo do faz-de-contas com a imaginação. Os grandes vão perdendo progressivamente essa capacidade. Acho que é por efeito de uma doença que, creio eu, eles pegam na escola. As escolas e os seus programas não sabem o que fazer com a imaginação, porque não há formas de fazer testes de múltipla escolha. Imagine uma prova com esta questão: “Marque a alternativa certa: ( ) Um cavalo verde; ( ) Um cavalo com chifre no nariz; ( ) Um cavalo com asas; ( ) Um cavalo com tronco de homem; ( ) Um cavalo falante. Parece absurdo. Mas todos esses cavalos são personagens da literatura. Pergunte ao seu pai; ele tem obrigação de saber. À medida que as pessoas vão crescendo elas vão perdendo a capacidade de imaginar. Os adultos acham que quem imagina é meio doido. Uma vez vi um filme com os quadros pintados por um homem que alguém (deve ter sido um parente dele) mandou trancar num hospital de loucos. Eram quadros absolutamente fantásticos. Enquanto o filme mostrava os quadros a voz de uma psicanalista invisível ia interpretando as telas para mostrar a doideira do artista. E a maior prova da sua doidice foi um quadro que ele pintou de uma árvore no alto de uma montanha com um barco flutuando no céu. A tal voz não sabia que arte é uma brincadeira de faz-de-contas, onde tudo é possível. O pintor Chagal pintou uma noiva camponesa voando, e Dalí fez um retrato dele mesmo que parece uma panqueca mole mantida em pé por uma série de bengalas parecidas com ganchos de estilingue. Se é que vocês não sabem, todas as coisas que os artistas fazem são brinquedos. Na escola e na ciência as pessoas aprendem a olhar para a coisa e ver a coisa. Mas as crianças e os seus amigos artistas olham para as coisas e vêem outras. E é assim que surgem as obras de arte e os brinquedos, que são a mesma coisa.
Mas a imaginação sozinha não faz arte. Quem faz a obra de arte é o artista. Para isso ele tem de saber usar as ferramentas apropriadas: martelo, cinzel, pincel, tinta... Eu, para fazer os meus brinquedos, tive de aprender a usar ferramentas. Aprendi a usar o canivete, a afiar o canivete, a usar o martelo (é uma delícia pregar um prego numa tábua mole, sem entortar...), o serrote, o alicate, as agulhas, os barbantes, a régua, as cordas, o fogo. O fogo tinha múltiplos usos. Um arame em brasa serve para furar um bambu. E o fogo era indispensável também para fazer ferver a mistura de água e polvilho com que se fazia grude, necessário para colar o papel de seda dos papagaios. Me cortei muitas vezes, martelei o dedo, me feri com o serrote e a agulha, me queimei. Mas não há jeito de aprender a usar as ferramentas sem se machucar. E aprendi a cuidar dos meus ferimentos, sem precisar chorar.
Fazer um brinquedo é um trabalho que se faz com prazer, sem precisar que alguém mande. Tudo que se faz com prazer é brinquedo. Ninguém tem preguiça de trabalhar fazendo um brinquedo. Quando a gente está com preguiça de trabalhar (ou de estudar) é porque aquilo que se está fazendo não é brinquedo, é trabalho forçado. Não é coisa que dê prazer.
(Correio Popular, 10/03/2002)
Naquele tempo o jeito de as meninas e os meninos brincarem era muito diferente do jeito de hoje. Hoje, falou brincar, falou comprar brinquedo. E os brinquedos se encontram nas lojas e custam dinheiro. Mas lá na roça onde eu morava não havia nem lojas. E mesmo que houvesse, eu era um menino pobre. Não tinha dinheiro para comprar brinquedos.
Eu brincava. Brincava sem comprar brinquedos. Não precisava. Eu fazia meus brinquedos. Na verdade, fazer os brinquedos era a parte mais divertida do brincar.
Já lhes contei sobre o carrinho de lata de sardinha que tenho guardado entre os meus brinquedos. Quando o vi, lembrei-me de mim mesmo, fazendo os meus brinquedos. O menino que fez aquele carrinho era um menino pobre. E eu o vejo trabalhando para fazer o brinquedo que ele não podia comprar. E imagino o orgulho que ele sentiu quando o carrinho ficou pronto. “Fui eu que fiz!” Um amigo meu, o Vidal, me deu um caminhão que ele mesmo fez, como presente de Natal. É um caminhão tanque. O tanque é feito com uma lata de óleo deitada. A cabine, com janelas e espelhos retrovisores, é feita com uma lata de azeite. As antenas e o cano de escapamento são feitos com pedaços de antenas velhas que ele encontrou em lojas onde se consertam rádios. E as rodas, ele as fez cortando, com um serrote, fatias de um cabo de enxada, iguais às fatias que se cortam de um salame.
Para se fazer um brinquedo é preciso usar a imaginação. A imaginação é um poder mágico que existe na nossa cabeça. Magia é transformar uma coisa em outra pelo poder do pensamento. A bruxa fala: “Sapo” e o lindo príncipe vira sapo... O menino que fez o carrinho com a lata de sardinha teve de usar a sua imaginação mágica também. Ele olhou para a lata de sardinha abandonada e disse: “Carrinho”. E foi esse carrinho que ele viu com o pensamento que fez com que ele trabalhasse para fazer o carrinho.
A imaginação gosta de brincar. A brincadeira de que ela mais gosta é o faz-de-contas. É brincando de faz-de-contas que ela constrói brinquedos. Faz de contas que uma lata de sardinha é um carrinho . Faz de contas que o cachorrinho de pelúcia é um cachorrinho de verdade . Faz de contas que o travesseiro macio é uma pessoa de quem a gente gosta muito. Faz de contas que esses bolinhos de barro são brigadeiros. Faz de contas que a minha mão com o dedo esticado é um revolver. Faz de contas que o cabo de vassoura é um cavalinho que se chama Valente. Faz de contas que esse pedaço de bambu é uma espada...
A Raquel, minha filha, tinha 4 anos. Eu a levei ao cinema para ver o ET. O cinema é também uma brincadeira de faz-de-contas. Enquanto a gente está lá a gente vive, ri e chora “como se” tudo fosse verdade. Prestem atenção nisso: essa é uma das coisas mais extraordinárias dos seres humanos: temos a capacidade de viver e sentir coisas que não existem, coisas que são produto da imaginação, como se elas fossem reais. Quem não chorou vendo o filme O Rei Leão? Quem não ficou com raiva da Madrasta e da Drizela? Quem não torceu pelos cãezinhos dálmatas? Pois a Raquel saiu do cinema e chorou, chorou, chorou... Não houve o que a consolasse. Depois do jantar eu resolvi consolá-la. Para consolá-la eu precisava entrar no jogo de faz-de-contas. Aí eu lhe disse: “Vamos lá fora ver se achamos a estrelinha que é a casa do ET!” Ela se levantou, animada. Mas aí, decepção. O tempo tinha mudado. O céu estava coberto de nuvens. Não havia estrelinhas para serem vistas. Pensei rápido. Uma mudança de tática era necessária. “Olha lá, Raquel, atrás da palmeira! O ET está lá”. Ela não sorriu, como eu esperava. Não entrou na minha brincadeira. “O ET não existe, papai.”, ela respondeu séria. Então eu disse: “Ah! É? Se não existe, porque é que você estava chorando?” Ela me respondeu: “Por isso mesmo, porque ele não existe...” Que coisa mais misteriosa, mais bonita: que nós sejamos capazes de ter alegrias e tristezas por causa de coisas que não existem.
As crianças são as que melhor sabem brincar o jogo do faz-de-contas com a imaginação. Os grandes vão perdendo progressivamente essa capacidade. Acho que é por efeito de uma doença que, creio eu, eles pegam na escola. As escolas e os seus programas não sabem o que fazer com a imaginação, porque não há formas de fazer testes de múltipla escolha. Imagine uma prova com esta questão: “Marque a alternativa certa: ( ) Um cavalo verde; ( ) Um cavalo com chifre no nariz; ( ) Um cavalo com asas; ( ) Um cavalo com tronco de homem; ( ) Um cavalo falante. Parece absurdo. Mas todos esses cavalos são personagens da literatura. Pergunte ao seu pai; ele tem obrigação de saber. À medida que as pessoas vão crescendo elas vão perdendo a capacidade de imaginar. Os adultos acham que quem imagina é meio doido. Uma vez vi um filme com os quadros pintados por um homem que alguém (deve ter sido um parente dele) mandou trancar num hospital de loucos. Eram quadros absolutamente fantásticos. Enquanto o filme mostrava os quadros a voz de uma psicanalista invisível ia interpretando as telas para mostrar a doideira do artista. E a maior prova da sua doidice foi um quadro que ele pintou de uma árvore no alto de uma montanha com um barco flutuando no céu. A tal voz não sabia que arte é uma brincadeira de faz-de-contas, onde tudo é possível. O pintor Chagal pintou uma noiva camponesa voando, e Dalí fez um retrato dele mesmo que parece uma panqueca mole mantida em pé por uma série de bengalas parecidas com ganchos de estilingue. Se é que vocês não sabem, todas as coisas que os artistas fazem são brinquedos. Na escola e na ciência as pessoas aprendem a olhar para a coisa e ver a coisa. Mas as crianças e os seus amigos artistas olham para as coisas e vêem outras. E é assim que surgem as obras de arte e os brinquedos, que são a mesma coisa.
Mas a imaginação sozinha não faz arte. Quem faz a obra de arte é o artista. Para isso ele tem de saber usar as ferramentas apropriadas: martelo, cinzel, pincel, tinta... Eu, para fazer os meus brinquedos, tive de aprender a usar ferramentas. Aprendi a usar o canivete, a afiar o canivete, a usar o martelo (é uma delícia pregar um prego numa tábua mole, sem entortar...), o serrote, o alicate, as agulhas, os barbantes, a régua, as cordas, o fogo. O fogo tinha múltiplos usos. Um arame em brasa serve para furar um bambu. E o fogo era indispensável também para fazer ferver a mistura de água e polvilho com que se fazia grude, necessário para colar o papel de seda dos papagaios. Me cortei muitas vezes, martelei o dedo, me feri com o serrote e a agulha, me queimei. Mas não há jeito de aprender a usar as ferramentas sem se machucar. E aprendi a cuidar dos meus ferimentos, sem precisar chorar.
Fazer um brinquedo é um trabalho que se faz com prazer, sem precisar que alguém mande. Tudo que se faz com prazer é brinquedo. Ninguém tem preguiça de trabalhar fazendo um brinquedo. Quando a gente está com preguiça de trabalhar (ou de estudar) é porque aquilo que se está fazendo não é brinquedo, é trabalho forçado. Não é coisa que dê prazer.
(Correio Popular, 10/03/2002)